domingo, 1 de dezembro de 2024

Jesus faltou com caridade ao expulsar os vendilhões do templo?


 

Jesus faltou com caridade ao expulsar os vendilhões do templo?

 

Marco Milani


Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 39, dez/2024, p. 8-9


A firme atitude de Jesus ao expulsar os vendilhões do templo[1] não se confunde, absolutamente, com agressividade ou destemperança, mas demonstra seu zelo pelo respeito do espaço destinado a honrar-se a Deus, conforme as tradições vigentes. Subverter o Templo de Jerusalém para transformá-lo em um espaço comercial feria profundamente seu propósito transcendente.

A passagem evangélica (Mateus 21:13) apresenta um elevado teor simbólico e pedagógico. Ao afirmar que “a minha casa será chamada casa de oração; mas vós a transformastes em um covil de ladrões", Jesus expressa a indignação justa, sem a intenção de causar dano ou violência aos indivíduos, porém expõe claramente o comportamento materialista e a hipocrisia incompatíveis com a finalidade do templo.

Assim, Jesus não contraria seus ensinamentos de amor ao próximo. Pelo contrário, ele os exemplifica, pois a caridade verdadeira muitas vezes exige correção e orientação.

A caridade, portanto, não significa ser omisso ou conivente com a imoralidade. Ao contrário, a verdadeira caridade implica orientar com determinação para o bem aquele que está em erro. Ações corretivas e educativas, com a certeza robusta do conhecimento e da serenidade da consciência tranquila marcam Espíritos voltados ao bem.

Do ponto de vista espírita, Jesus é o modelo de perfeição moral. Ele agiu amorosamente ao defender valores éticos, esclarecendo e corrigindo em nome dos valores espirituais genuínos.

Na atual vida cotidiana, aplica-se esse significativo ensinamento, uma vez que necessitamos agir com robustez e equilíbrio diante de situações que comprometam os princípios elevados que acreditamos, com o propósito de construir algo positivo e educativo. Podemos nos posicionar abertamente contra práticas desonestas ou abusivas no trabalho, na escola ou na comunidade em geral. Assim como Jesus preservou o templo como um espaço sagrado, somos convidados a proteger a ética e a justiça de nossa consciência onde estivermos e não compactuarmos com o mal.

No ambiente espírita, igualmente, devemos zelar pela coerência e integridade da proposta doutrinária, tal qual o próprio Kardec recomendou:

 

É, pois, um dever de todos os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar abertamente, em seu nome, os abusos de todo gênero que pudessem comprometê-la (Doutrina Espírita), a fim de não lhes assumir a responsabilidade. Pactuar com os abusos seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas aos adversários.[2]

 

              Com as inúmeras oportunidades de comunicação que os modernos recursos tecnológicos propiciam, disseminam-se irresponsavelmente deturpações doutrinárias produzidas por novos mercadores da fé, os quais movidos por diferentes interesses iludem os mais desatentos com misticismo e fantasias sobre a realidade espiritual sem qualquer fundamentação factual. Cabe a todos, com prudência e ponderação, não aceitar cegamente nenhuma “revelação” desprovida de argumentos sólidos, independentemente de quem seja o autor de tais opiniões.

              Não será falta de caridade questionar, com ponderação e firmeza, situações que comprometem a lógica e a coerência doutrinária ou que representem o abuso da credulidade em nome do Espiritismo.

              O exemplo de Jesus ao expulsar os vendilhões do templo é atemporal e relevante, convocando-nos a praticar a verdadeira caridade que não se resume a doações materiais ou à indulgência passiva, mas sim a que exige um compromisso ativo com a verdade.



[1] O evangelho segundo o espiritismo, Capítulo XXVI, itens 5 e 6.

[2] Revista Espírita, jun/1865 – Nova tática dos adversários do Espiritismo



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