Jesus faltou com caridade ao
expulsar os vendilhões do templo?
Marco Milani
Texto publicado na Revista Candeia Espírita, nº 39, dez/2024, p. 8-9
A firme atitude de Jesus ao expulsar os vendilhões
do templo[1]
não se confunde, absolutamente, com agressividade ou destemperança, mas demonstra
seu zelo pelo respeito do espaço destinado a honrar-se a Deus, conforme as
tradições vigentes. Subverter o Templo de Jerusalém para transformá-lo em um
espaço comercial feria profundamente seu propósito transcendente.
A passagem evangélica (Mateus 21:13) apresenta um
elevado teor simbólico e pedagógico. Ao afirmar que “a minha casa será chamada
casa de oração; mas vós a transformastes em um covil de ladrões", Jesus
expressa a indignação justa, sem a intenção de causar dano ou violência aos
indivíduos, porém expõe claramente o comportamento materialista e a hipocrisia incompatíveis
com a finalidade do templo.
Assim, Jesus não contraria seus ensinamentos de
amor ao próximo. Pelo contrário, ele os exemplifica, pois a caridade verdadeira
muitas vezes exige correção e orientação.
A caridade, portanto, não significa ser omisso ou conivente
com a imoralidade. Ao contrário, a verdadeira caridade implica orientar com
determinação para o bem aquele que está em erro. Ações corretivas e educativas,
com a certeza robusta do conhecimento e da serenidade da consciência tranquila
marcam Espíritos voltados ao bem.
Do ponto de vista espírita, Jesus é o modelo de
perfeição moral. Ele agiu amorosamente ao defender valores éticos, esclarecendo
e corrigindo em nome dos valores espirituais genuínos.
Na atual vida cotidiana, aplica-se esse
significativo ensinamento, uma vez que necessitamos agir com robustez e
equilíbrio diante de situações que comprometam os princípios elevados que
acreditamos, com o propósito de construir algo positivo e educativo. Podemos
nos posicionar abertamente contra práticas desonestas ou abusivas no trabalho,
na escola ou na comunidade em geral. Assim como Jesus preservou o templo como
um espaço sagrado, somos convidados a proteger a ética e a justiça de nossa
consciência onde estivermos e não compactuarmos com o mal.
No ambiente espírita, igualmente, devemos zelar
pela coerência e integridade da proposta doutrinária, tal qual o próprio Kardec
recomendou:
É, pois, um dever de
todos os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar abertamente, em
seu nome, os abusos de todo gênero que pudessem comprometê-la (Doutrina
Espírita), a fim de não lhes assumir a responsabilidade. Pactuar com os abusos
seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas aos adversários.[2]
Com as inúmeras
oportunidades de comunicação que os modernos recursos tecnológicos propiciam,
disseminam-se irresponsavelmente deturpações doutrinárias produzidas por novos
mercadores da fé, os quais movidos por diferentes interesses iludem os mais
desatentos com misticismo e fantasias sobre a realidade espiritual sem qualquer
fundamentação factual. Cabe a todos, com prudência e ponderação, não aceitar
cegamente nenhuma “revelação” desprovida de argumentos sólidos,
independentemente de quem seja o autor de tais opiniões.
Não será falta de
caridade questionar, com ponderação e firmeza, situações que comprometem a
lógica e a coerência doutrinária ou que representem o abuso da credulidade em
nome do Espiritismo.
O exemplo de Jesus
ao expulsar os vendilhões do templo é atemporal e relevante, convocando-nos a
praticar a verdadeira caridade que não se resume a doações materiais ou à indulgência
passiva, mas sim a que exige um compromisso ativo com a verdade.
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