Comentários sobre o
livro “Madame Kardec: a história que o tempo quase apagou”
Marco Milani
Departamento do Livro
e Doutrina
União das Sociedades Espíritas
do Estado de São Paulo
Após o lançamento em 2015 de
sua obra “Em nome de Kardec”, o escritor Adriano Calsone apresentou ao público
espírita, em outubro/2016, mais um livro originado de pesquisa histórica,
também pela editora Vivaluz. Em “Madame Kardec: a história que o tempo quase
apagou”, Calsone descreve e destaca a relevante participação de
Amélie-Gabrielle Boudet no processo de estruturação e desenvolvimento do Espiritismo
conduzido por seu marido, Sr. Rivail ou Allan Kardec.
Com redação clara e fluente,
o texto apresenta a senhora Kardec de maneira original, considerando-a
protagonista não somente em uma época marcada por desafios e imposições sociais
à condição feminina, mas como uma espírita atuante e defensora da coerência
doutrinária.
Os trinta capítulos do livro
são distribuídos em três grandes partes. Na primeira, contextualiza-se a
infância e juventude de Amélie na França do final do século XVIII e início do
século XIX. Fragmentos dos agitados momentos políticos, econômicos e sociais registrados
nessa época são usados como pano de fundo à descrição da vida da família Boudet
e vocação da jovem Amélie às atividades educacionais.
Enfrentando as convenções da
sociedade parisiense, em que as moças eram preparadas para logo saírem de casa
sob a proteção de um marido ou ingressarem em um convento, a dedicação aos
estudos e o sucesso na carreira docente exibidos por Amélie não eram comuns.
Apreciadora do método pedagógico de Pestalozzi e inclinada às artes, publicou
três livros voltados à educação e chamou a atenção de outro professor, nove
anos mais novo, que também compartilhava da mesma vocação ao ensino: Hipollyte
Léon Denizard Rivail.
Desde o casamento, em 1832, Amélie
contribuiu ativamente com os projetos e empreendimentos educacionais de Rivail,
dividindo alegrias e preocupações decorrentes dos acontecimentos que sempre
exigiram do casal devotamento e entrega aos ofícios que abraçaram.
Poupando o leitor de
minudências já fartamente descritas em biografias sobre a iniciação de Allan
Kardec ao Espiritismo, Calsone opta por destacar aspectos do período de
nascimento e desenvolvimento da Doutrina Espírita, porém voltando a atenção à
participação efetiva da Sra. Kardec nesse processo.
A segunda parte do livro
abrange o período de viuvez (1869) até a desencarnação (1883) da Sra. Kardec, quando
diversos acontecimentos interessarão ao pesquisador e ao público em geral, pois
tratam-se de narrativas pouco exploradas na literatura espírita, mas
fundamentais para se entender o declínio do movimento espírita francês.
Logo depois da passagem de
Allan Kardec ao mundo espiritual, as divergências internas e o afastamento da
coerência doutrinária fizeram com que espiritualistas místicos e reformadores
sociais travestidos de espíritas disseminassem o sincretismo e práticas
estranhas no seio do movimento espírita. A viúva Kardec e alguns adeptos
tentaram se mobilizar contra as deturpações místicas e roustainguistas que se
infiltravam, principalmente pela questionável condução da Revista Espírita por
Pierre-Gaëtan Leymarie e a influência oportunista de Jean Guérin, um fervoroso seguidor
de Roustaing.
A criação da União Espírita
Francesa, com o apoio da viúva Kardec, foi uma das ações realizadas em prol da
valorização do Espiritismo.
De maneira objetiva, Calsone
descreve os fatos históricos que forneceram armas aos adversários do Espiritismo,
decorrentes do desvirtuamento doutrinário promovido por falsos adeptos que
estavam mais interessados em fundar seitas e sociedades secretas espiritualistas
do que em divulgar os princípios e valores espíritas.
Isolada por muitos que se
diziam amigos de seu estimado esposo, mas ainda contando com a admiração de
parcela significativa dos espíritas franceses e de outros países, a Sra. Kardec
desencarnou deixando um legado de trabalho árduo, intenso e digno.
Na terceira e última parte
do livro, descreve-se o conturbado processo envolvendo a cobiçada herança dos
Kardec, que consumiu quase duas décadas com episódios jurídicos sobre o espólio
do famoso casal estampando as páginas de jornais parisienses.
Diante de inúmeros livros de
qualidade doutrinária duvidosa que atualmente são lançados no mercado e que
tentam capturar o público espírita apenas por serem supostamente psicografados,
poucas publicações oferecem contribuições efetivas ao pesquisador espírita.
A obra “Madame Kardec: a
história que o tempo quase apagou” é leitura recomendada, não somente por resgatar
a relevância de Amélie Boudet na história do Espiritismo, como também por convidar
o leitor a refletir sobre a necessária e oportuna orientação de Allan Kardec:
É,
pois, um dever de todos os espíritas sinceros e devotados repudiar e desaprovar
abertamente, em seu nome, os abusos de todo gênero que pudessem comprometê-la
(Doutrina Espírita), a fim de não lhes assumir a responsabilidade. Pactuar com
os abusos seria acumpliciar-se com eles e fornecer armas aos adversários
(KARDEC, Revista Espírita, jun/1865)
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