Opinião e Razão
Marco Milani
Texto publicado na Revista Dirigente Espírita, ed. 192, nov/dez 2022, p. 16-17
Atualmente,
considerando a rapidez que as informações se propagam no ambiente eletrônico,
dificilmente grupos mediúnicos e seus componentes estão alheios ao que é
divulgado nos diferentes meios de comunicação. Tratando-se de informação que
colide com o ensino doutrinário apresentado nas obras de Allan Kardec, sua aceitação
implica abandonar ou ignorar o conhecimento já firmado de maneira afoita e
imponderada.
Certamente, o
Espiritismo é dinâmico e prevê o avanço desse conhecimento, porém em condições
específicas que permitam validá-lo perante elementos objetivos, racionais e
lógicos. Caso não existam evidências robustas, novas informações devem ser
consideradas apenas hipóteses, sujeitas a validação futura e passíveis de
questionamentos sobre a respectiva veracidade.
A prudência na
atitude científica marca a seriedade esperada dos pesquisadores. A aceitação
cega de hipóteses, muitas vezes devido a aspectos emocionais e a interesses
particulares, destoa da busca do conhecimento verdadeiro. Em contraposição, o
relativismo irresponsável que flexibiliza a razão diante da inexistência de
fatos comprobatórios e pelo uso de argumentos falaciosos para escamotear a
realidade, presta um desserviço à busca da verdade.
Com relação às informações
produzidas mediunicamente, a prudência exige que o conteúdo seja analisado sob
as lentes da razão, sem aceitação ou refutação prévia baseada na assinatura do
suposto Espírito comunicante ou de quem seja o intermediário encarnado.
Inexiste argumento
de autoridade mediúnica, ou seja, a validade do conteúdo da mensagem independe
da simpatia ou afeição que se possa ter pelo mensageiro. Se assim não fosse,
Kardec não teria rejeitado várias comunicações com assinaturas veneráveis e
obtidas pelos mesmos médiuns que colaboravam na Sociedade Parisiense de Estudos
Espíritas e intermediavam elevados ensinamentos de nobres Espíritos.[2]
Encarnados devem
passar pelo mesmo escrutínio. Ao ocupar uma tribuna ou expressar-se pela
escrita na condição de um representante espírita, o conteúdo manifesto demanda
análise criteriosa adotando como referência comparativa o conjunto de
conhecimentos apresentados por Allan Kardec. Como assevera José Herculano Pires
em sua obra A pedra e o joio, no Espiritismo a pedra de toque é a obra de
Kardec.
Ao revolucionar a
proposta de geração de conhecimento sobre a realidade espiritual, o Espiritismo
provoca uma ruptura cultural com o dogmatismo igrejeiro que se pressupunha
monopolista da fé baseada em mistérios sagrados e aproxima-se da investigação
científica lastreado em seu método investigativo.
A centralidade da epistemologia espírita situa-se na
análise crítica e na concordância das informações reveladas via intercâmbio
mediúnico, capazes de promover a consistência interna de seu arcabouço
teórico-doutrinário que diferencia-se de qualquer outra proposta explicativa da
realidade espiritual apresentada à humanidade.
As consequências
morais desse conhecimento espiritual que abrange as questões
filosóficas fundamentais representam o aspecto norteador da conduta pessoal e
determinam o esclarecimento sobre o sentido da existência.
A bagagem cultural
dos adeptos varia significativamente, fazendo com que o grau de compreensão dos
princípios e valores doutrinários não seja uniforme. Assim, apesar de haver
apenas um Espiritismo, há diferentes graus de maturidade doutrinária daqueles
que se autodeclaram espíritas e esse fato leva um observador externo a supor,
incorretamente, que a diversidade interpretativa dos conceitos e das práticas
decorram de um corpo teórico fragmentado.
Ao assumir
informações doutrinariamente desconectadas como sendo espíritas, sem qualquer
fundamentação lógica baseada em fatos ou na concordância universal, o indivíduo
ignora a coerência metodológica necessária para se validar o conhecimento.
Assim procede ao incorporar opiniões próprias ou de terceiros, inclusive de
origem mediúnica, como argumentos suficientes para contraporem-se com os
ensinos dos Espíritos apresentados por Kardec.
A admiração e a
aderência afetiva a médiuns e palestrantes fazem com que os adeptos presos em
posturas e práticas típicas de religiões tradicionais depositem a validade das
informações em seus ídolos encarnados, como se esses últimos fossem elos
legítimos com o sagrado. A fé cega não encontra respaldo na base doutrinária
espírita, porém pode se manifestar naqueles que ainda encontram-se em período
de adaptação à cultura espírita.
Opiniões sobre
qualquer assunto são perfeitamente compreensíveis diante da liberdade de
expressão e de consciência, mas o respectivo reconhecimento como integrantes do
conhecimento espírita depende da atitude racional, analítica e coerente das
mesmas com o método de validação e com os princípios espíritas já consolidados.
[1] Vide
o capítulo II, item 99, da obra O que é o espiritismo, de Allan Kardec.
[2]
Vide o capítulo XXXI de O livro dos médiuns, de Allan Kardec.
Nenhum comentário:
Postar um comentário