A
autoridade por muitos ignorada
Marco
Milani
Na
introdução de O evangelho segundo o Espiritismo, uma das obras mais
lidas dentre aquelas publicadas por Allan Kardec, destaca-se um aspecto
essencial do corpo teórico-doutrinário. Trata-se do método de validação das
informações mediúnicas obtidas denominado Controle Universal do Ensino dos
Espíritos (CUEE), o qual fundamenta a autoridade da Doutrina Espírita.
Qualquer
comunicação mediúnica, individualmente, caracteriza-se apenas como uma opinião,
independentemente de quem assina a mensagem ou de quem lhe serve como
intermediário. O nome do médium, por sinal, era um dado secundário para Kardec,
pois em inúmeras comunicações constavam apenas as respectivas iniciais. O mais
importante era a análise do conteúdo da mensagem.
Outra obra fundamental, lamentavelmente
não tão estudada pelos adeptos em geral, é A gênese, cujo capítulo inicial
trata do caráter da revelação espírita e destaca que a única autoridade do
ensino dos Espíritos é a sua conexão com o conjunto, ou seja, reafirma-se que nenhuma
informação revelada mediunicamente não passa de opinião se não for confirmada
pelo CUEE.
Exemplificando o ensino simultâneo,
Kardec afirma que todas as vezes que grupos mediúnicos tentaram tratar de
questões prematuras, não obtiveram mais do que respostas contraditórias e
inconclusivas. Quando, ao contrário, chega o momento oportuno, o ensino se
generaliza e se unifica na quase universalidade dos centros.[1]
Sendo o CUEE o elemento central da
autoridade doutrinária, nenhuma opinião de encarnado ou desencarnado, por mais
interessante e respeitosa que seja, integra o corpo teórico espírita apenas por
se tratar de novidade ou suposto avanço no conhecimento.
Como filosofia espiritualista, o
Espiritismo contrapõe-se à cosmovisão materialista e adota a fé raciocinada
como aforismo perante a realidade objetiva. Qualquer premissa ou nova
informação doutrinária deveria, condicionalmente, estar calcada na análise
crítica dos fatos e, frente ao intercâmbio mediúnico, na análise do conteúdo
com a prudência metodológica da diversidade das fontes.
O zelo defronte novas ideias
justifica-se para a validação e legitimação de qualquer informação e é
corroborado pelos próprios desencarnados participantes da estruturação
doutrinária espírita. Erasto, por exemplo, assim se posiciona:
(...) é melhor repelir
dez verdades momentaneamente do que admitir uma só mentira, uma única teoria
falsa, porque sobre essa teoria, sobre essa mentira podereis construir todo um
sistema que desmoronaria ao primeiro sopro da verdade, como um monumento
erigido sobre areia movediça, ao passo que se hoje rejeitardes certas verdades,
certos princípios, porque não vos são demonstrados logicamente, logo um fato
brutal ou uma demonstração irrefutável virá afirmar-vos a sua autenticidade.[2]
Estranhamente, o que baseia a
autoridade da Doutrina Espírita parece ser ignorada por parcela significativa
dos próprios adeptos, que não entenderam a relevância da universalidade do
ensino. Afoitamente, opiniões contidas em comunicações mediúnicas são aceitas
usando-se argumento de autoridade como único critério de validação.
Prudência
e atitude crítica na aceitação de qualquer “revelação” são condições
metodológicas necessárias para o exercício da fé raciocinada.
[1] KARDEC,
A. A gênese, capítulo I, item 54.
[2]
KARDEC, A. Epístola de Erasto aos Espíritas Lioneses. Jornal de estudos
psicológicos – outubro de 1861.
Nenhum comentário:
Postar um comentário