terça-feira, 26 de março de 2019

Comentários sobre as alterações da 5ª edição de A Gênese – Cap. I


A Gênese: Capítulo 1

Caracteres da revelação espírita

Marco Milani*

Nos boletins anteriores do Dirigente Espírita (nºs 167, 168 e 169), foram apontadas alterações significativas na 5ª edição da obra A Gênese, publicada 3 anos após a desencarnação de Allan Kardec e que fragilizaram o conteúdo doutrinário em seus respectivos capítulos 15, 18 e 14.
     
Desta vez, analisa-se as alterações ocorridas no capítulo 1 da 5ª edição, intitulado “Caracteres da revelação espírita”.
Nas quatro primeiras edições francesas de A Gênese, as quais são idênticas e podem ser atribuídas sem qualquer dúvida a Allan Kardec, o referido capítulo foi estruturado em 62 itens, sendo que os itens de 1 a 55 foram reproduzidos integralmente do texto de mesmo nome publicado na Revista Espírita de setembro de 1867. Os demais itens (56 a 62) foram acrescidos por Allan Kardec.
     
Na 5ª edição da obra, mantém-se a composição do primeiro capítulo em 62 itens, porém com modificações nos itens 14, 16, 25, 36 e 62. A seguir, são comentadas as principais alterações.
     
O item 14, em todas as edições, inicia-se com a afirmação de que “como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma maneira que as ciências positivas, isto é, aplica o método experimental”. Na 5ª edição, acrescentou-se no último parágrafo o seguinte trecho:

As ciências não fizeram progressos sérios senão depois que os seus estudos se basearam no método experimental; mas acreditava-se que esse método não poderia ser aplicado senão à matéria ao passo que o é igualmente às coisas metafísicas”. (GEN, 5ª ed, Cap. I, i.14)

O respectivo trecho acrescentado retoma o primeiro parágrafo do mesmo item 14 para destacar a relevância e aplicação do método experimental, porém é questionável a afirmação de que as ciências não fizeram progressos “sérios” antes do uso desse método. Certamente, a revolução científica iniciada no século XVII e onde tal método se desenvolveu gerou inegável desenvolvimento do conhecimento humano, porém afirmar que não houve progressos sérios antes disso é desconsiderar a relevância dos avanços ocorridos nas ciências antiga e medieval.

Ainda que doutrinariamente o parágrafo acrescentado no final do item 14 não comprometa o texto, a frase sobre a inexistência de “progressos sérios” antes da aplicação do método experimental é inapropriada.

No item 16 foi acrescida a afirmação de que “o estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos”. Doutrinariamente não há comprometimento do texto, porém é uma frase desnecessária, uma vez que o item já estava finalizado, na edição original, com a afirmação de que “se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria sido uma obra abortada, como tudo o que surge antes do seu tempo”.
     
No item 25, para todas as edições, sinaliza-se que a doutrina do Cristo está fundada sobre o caráter que ele, Jesus, atribui à Divindade e explicita a relação de amor que o Homem deve ter com Deus. Na 5ª edição, neste item, acrescenta-se a afirmação de que não era possível amar o Deus de Moisés, uma vez que apenas se podia temê-lo. O conceito de amor pode sofrer algumas variações em seu sentido amplo ou específico, mas será que não se poderia amar a Deus, conforme já destacado no decálogo? Esse acréscimo é questionável, ainda que se tente compreender o desejo do autor de se contrastar o Deus apresentado por Jesus e aquele já apontado por Moisés. Quando Jesus resumiu os dez mandamentos, ele manteve a necessidade de se “amar a Deus” como já era amplamente conhecido.

A eliminação do último parágrafo do item 36, constante na edição original, não prejudicou o conteúdo doutrinário, apesar de reforçar o dever de se tratar a todos com bondade, benevolência e humanidade. Se, porventura, a modificação não foi feita ou autorizada pelo próprio Kardec, caracteriza-se o ato como adulteração, assim como todas as outras modificações.

O capítulo 1 encerra-se com o item 62 e, justamente, o último parágrafo que resume a finalidade da revelação espírita, mas o mesmo foi eliminado na 5ª edição. Segue o texto suprimido.

"A revelação, portanto, tem por finalidade dar ao homem a posse de certas verdades, que ele não poderia adquirir por si mesmo, e isso para acelerar o progresso. Essas verdades, geralmente, se restringem aos princípios fundamentais destinados a colocá-lo no caminho das pesquisas, e não a conduzi-lo pela borda; são os marcos que lhe mostram o objetivo: para ele, a tarefa de estudá-los e deduzir-lhes as aplicações; longe de libertá-lo do trabalho, são novos elementos fornecidos para a sua atividade." (GEN, 1ª ed, Cap. I, i.62)


Além de eliminar o relevante trecho acima, o capítulo 1 da 5º edição termina com outra alteração. Ao se referir ao Reino de Deus, acrescentaram-se as palavras “anunciado pelo Cristo”. Trata-se de acréscimo desnecessário ao sentido da frase e, ainda, foi acrescentada uma nota explicativa para se justificar o uso da expressão “o Cristo”.


* Diretor do Departamento de Doutrina da USE-SP


2 comentários:

  1. Só o fato das adulteraçoes sem autorização do autor já é por si mesmo condenável do ponto de vista jurídico e moral

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  2. Só fato das adulteraçoes sem autorização do autor, é por si mesmo uma atitude contrária as leis jurídicas e morais, o que é muito ruim quando se faz em nome do Espiritismo

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