A
Gênese: Capítulo 6
Uranografia
geral
Marco
Milani*
O
6º capítulo da obra A Gênese, intitulado Uranografia Geral, é
constituído por um conjunto de comunicações mediúnicas de
Galileu, obtidas pelo médium Camille Flamarion, o qual era
astrônomo.
Tais
comunicações ocorreram na Sociedade de Estudos Espíritas de Paris,
nos anos de 1862 e 1863. Por ser o ditado de um único Espírito,
Allan Kardec sinaliza que o conteúdo deve ser apreciado com a
ponderação necessária, sem constituir-se como ensino validado
pelos Espíritos.
Certamente,
o panorama descrito por Galileu é enriquecedor, lançando luzes e
instigando a investigação sobre questões astronômicas e sobre a
grandiosidade do Criador que o homem ainda estava, e está, longe de
se aprofundar.
Considerando
a opinião do comunicante e o estágio científico da época, alguns
conceitos hoje seriam, naturalmente, expostos e discutidos sob outra
perspectiva, com algumas retificações e ratificações das
hipóteses lançadas, mas em essência expressam a onipotência e
infinitude divinas.
Na
5ª edição francesa de A Gênese, publicada três anos após a
desencarnação de Allan Kardec, este capítulo, assim como todos os
demais, sofreu alterações cuja autoria é desconhecida. Dos 64
itens presentes na edição original, foram eliminados os itens nºs
58 a 60, organizados pelo subtítulo “A Ciência”, que também
desaparece.
Ao
reeorganizar os textos dos últimos itens, o subtitulo final, que na
edição original intitulava-se “Considerações morais”,
passa-se a chamar “Diversidade dos mundos.
Os
itens eliminados são os seguintes:
58.
A inteligência humana expandiu suas poderosas concepções além dos
limites do espaço e do tempo. Entrou no domínio inacessível das
antigas idades, sondou o mistério dos céus imperscrutáveis e
explicou o enigma da criação. O mundo exterior desdobrou, pelo
ponto de vista da ciência, seu panorama esplêndido e sua magnífica
opulência, e os estudos dos homens permitiram que se chegasse até o
conhecimento da verdade; ele explorou o universo, encontrou a
expressão das leis que o regem e a aplicação das forças que o
sustentam, e se não lhe foi dado ver, face a face, a causa primeira,
pelo menos chegou à noção matemática da série das causas
secundárias.
Nesse
último século, sobretudo, o método experimental, o único
verdadeiramente científico, foi posto em prática nas ciências
naturais, e com seu auxílio o homem deixou, aos poucos, os
prejulgamentos da velha escola e das teorias especulativas para
manter-se no campo da observação, cultivando-a com atenção e
inteligência.
Sim,
a ciência dos homens é sólida e fecunda, digna de nossas simpatias
pelo seu futuro cheio de descobertas úteis e proveitosas, porque a
natureza é agora um livro de fácil acesso às pesquisas do homem
estudioso, um mundo aberto às investigações do pensador, uma
região brilhante que o Espirito humano já visitou e na qual ele
pode avançar com decisão, levando por bússola a experiência.
59.
Um velho amigo de minha vida terrestre assim me disse recentemente.
Uma peregrinação nos havia reconduzido à Terra e, novamente,
estudamos moralmente este mundo. Meu companheiro acrescentou que o
homem está hoje familiarizado com as leis, as mais abstratas da
Mecânica, da Física, da Química. Que suas aplicações à
indústria não são menos notáveis que as deduções da ciência
pura e que a criação inteira, sabiamente estudada por ele, parece
ser, daqui pra frente, sua verdadeira característica. E como
prosseguíamos nosso caminhar, já fora deste mundo, eu lhe respondi
nesses termos:
60.
Frágil átomo perdido em um ponto imperceptível do infinito, o
homem acreditou que abrangia com seu olhar a extensão do universo,
quando apenas podia observar a região que habita; acreditou estudar
as leis da natureza inteira, mas, suas percepções se limitam às
forças em sua volta; acreditou determinar a grandeza do céu quando
se consome para definir um simples grão de poeira. O campo de suas
observações é tão exíguo que lhe custa achar um fato perdido de
vista. O céu e a terra do homem são tão pequenos que a alma, em
seu voo, não tem o tempo de estender as asas antes que chegue às
últimas paragens acessíveis à observação.
O
Universo incomensurável nos cerca por toda parte, ostentando para
além dos céus riquezas desconhecidas, colocando em ação forças
inapreciáveis, desenvolvendo maneiras de existência inconcebíveis
para nós e propagando ao infinito o esplendor e a vida.
E
o ácaro da farinha, minúsculo inseto privado de asas e de luz, cuja
existência triste transcorre sobre a pétala onde nasceu,
pretenderia, por ter dado alguns passos sobre essa pétala agitada
pelo vento, ter o direito de falar sobre a árvore imensa a qual
pertence e da qual apenas percebe a sombra? Imaginaria, loucamente,
poder raciocinar sobre a floresta da qual sua árvore faz parte e
discutir com sabedoria sobre a natureza dos vegetais que aí se
desenvolvem e sobre os seres que habitam neles, do Sol longínquo, do
qual os raios adentram algumas vezes, para levar-lhe o movimento e a
vida? Em verdade, o homem seria pretensioso demais em querer medir a
grandeza infinita com sua pequenez ínfima.
O
homem, também, deveria estar bem compenetrado desta ideia: que se o
difícil trabalho dos séculos passados lhe tenha permitido os
primeiros conhecimentos das coisas, se o progresso do Espírito o
tenha colocado no vestíbulo do saber, ele nada mais fez que soletrar
a primeira página do livro. Ele é igual a uma criança, suscetível
de se enganar a cada palavra, de tal maneira que, longe de pretender
interpretar a obra de modo doutoral, deve se contentar em estudar
humildemente, página por página, linha por linha. Felizes aqueles
que podem fazê-lo.
Os
trechos eliminados na 5ª edição refletem, claramente, a percepção
do Espírito Galileu sobre a relevância da ciência no progresso e
destaca a grandiosidade do universo que exige humildade do homem para
reconhecer sua pequenez, combatendo o orgulho diante de um
conhecimento ainda ínfimo da realidade.
A
eliminação de todo o subtítulo destinado à ciência, em um
capítulo que basicamente explora o conhecimento científico da época
e do futuro, não parece fazer sentido, ainda que não exista
prejuízo doutrinário.
*
Diretor do Departamento de Doutrina da USE-SP. Presidente da USE
Regional de Campinas.
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