Liberdade
de consciência e fé raciocinada: a relação necessária
Allan
Kardec, no terceiro diálogo descrito no Capítulo I do livro O que é o
Espiritismo, afirma que “a liberdade de consciência é consequência da
liberdade de pensar, que é um dos atributos do homem; e o Espiritismo, se não a
respeitasse, estaria em contradição com os seus princípios de liberdade e
tolerância”.
O
respeito aos direitos e às escolhas individuais caracterizam, portanto, a
situação mais avançada no cenário da convivência humana, ainda que seja
plenamente compreensível o antagonismo de opiniões e posições sobre os mais
variados assuntos polêmicos sob a perspectiva dialética. O embate sincero e
fraterno de ideias, não de pessoas, fomenta o progresso do conhecimento, culminando
por influenciar as leis e os costumes.
Conforme
a Organização das Nações Unidas[i],
a liberdade de consciência abrange toda a ética e valores que um ser humano
preza, seja de natureza religiosa ou não. Não há limitações admissíveis a esta
liberdade, desde que as convicções pessoais não sejam impostas aos outros nem
os prejudiquem. Embora possa parecer evidente, o respeito pela liberdade de
consciência é difícil de alcançar, pois tende-se a criticar as convicções alheias
do que se defender o direito de todos às suas próprias convicções.
A
Ciência é chamada para participar ativamente do desenvolvimento humano, ainda
que não constitua-se em corpo homogêneo. Ao contrário, inúmeros grupos de
pesquisa concorrem entre si, objetivando a produção de conhecimento servindo-se
de métodos mais objetivos e sem a pretensão da verdade absoluta. O cientista,
por sua vez, carrega crenças e valores particulares.
A
doutrina espírita, estruturada sob um método racional orientado para a
universalidade do ensino obtido por diferentes fontes mediúnicas e convergindo
em sua essência de conteúdo, apresenta notável consistência interna. Os
princípios espíritas expressam a diretriz conceitual que sustenta a argumentação
lógica e coerente sobre a natureza, origem e destino dos Espíritos, e suas
relações com o mundo corporal.
Afastando-se
do formalismo e estrutura hierárquica das igrejas cristãs tradicionais, as
quais sustentam-se em artigos de fé inquestionáveis e impõem aos respectivos profitentes
práticas e condutas para uniformizar o comportamento considerado adequado, a fé
proposta pelo Espiritismo alia-se à razão e convida os adeptos a questionar,
conhecer, ponderar e finalmente crer, sem estagnar-se, mas em contínuo avanço
do saber.
Nesse
sentido, o verdadeiro espírita não tem a sua vontade subordinada a líderes ou a
instituições, pois tem a liberdade de escolher e agir conforme a própria
consciência, não por algum sentimento de culpa ou constrangimento, mas
racionalmente voltado a atender os seus interesses e necessidade de
aprimoramento moral e intelectual.
O
panorama cultural espírita, entretanto, apresenta singularidades. Se, por um
lado, o Espiritismo floresceu em terras brasileiras e angariou respeito e
popularidade, por outro lado, enfrenta os desafios esperados de um ambiente
marcado por forte sincretismo religioso, uma vez que parcela significativa dos
adeptos carrega hábitos e conceitos cuja depuração não ocorre prontamente.
A
cadência diferenciada dos participantes do movimento espírita nacional é
perfeitamente compreensível, apesar de que o descompasso quanto à maturidade
doutrinária pode gerar obstáculos para o entendimento e prática do ensino dos
Espíritos.
O
combate ao materialismo e ao relativismo moral pautam a essência da proposta
doutrinária, objetivando a formação do homem de bem e, especificamente, dos
bons espíritas.
A
unidade doutrinária, tão valorizada por Kardec para o futuro do Espiritismo sem
cismas nem fragmentação em seitas personalistas, só pode ser obtida,
entretanto, pela devida compreensão dos princípios e valores espíritas,
embasando-se na fé raciocinada. Não basta ter a intenção de amar, mas deve-se
saber e efetivamente amar. Por isso a orientação do Espírito de Verdade para
nos amarmos e igualmente nos instruirmos.
Os
princípios espíritas, validados pela universalidade dos ensinos, não apresentam
contradições e, por isso mesmo, não podem ser compreendidos misturando-os com
conceitos falaciosos ou fantasiosos. A liberdade de consciência direciona o
indivíduo ao caminho que conseguir trilhar, mas não lhe dá o direito de
desconfigurar a doutrina espírita conforme seus interesses e limitações, para
acomodar as suas convicções pessoais.
Não
existem, dessa maneira, diferentes “espiritismos”, mas apenas um. O que varia é
o entendimento e prática do Espiritismo. Logo, há uma única doutrina espírita,
mas diferentes graus de maturidade doutrinária e cada indivíduo se expressará conforme
a própria consciência.
Certamente, a postura coerente deve pautar a conduta do espírita perante qualquer fato ou
informação, permanecendo aberto ao exame do contraditório e aceitação do que
for, efetivamente, comprovado.
A fé
raciocinada, adequadamente vivenciada, faz com que o adepto reconheça e
valorize o ensino doutrinário apresentado por Kardec e que foi validado pelo
critério da universalidade, ao invés de assumir precipitadamente como verdade
opiniões de encarnados ou desencarnados que careçam de fundamentação
metodológica e evidenciação.
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